quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O que os gurus corporativos e a dengue têm em comum!

Achei este texto do Chapira interessante para uma reflexão mais do que oportuna:
Conto um caso que aconteceu há uns trinta anos. Pleno ‘milagre brasileiro’, plena ditadura. Meu professor ainda não sabia que ia ser morto em alguns meses (Vladimir Herzog). Eu trabalhava num banco que – pasmem! – ainda existe. Escrevia jornais internos, material promocional e etecéteras.

Meu chefe (gestor, então, era chamado de chefe mesmo) tinha um fusca. Explicação: ‘fusca’ é o apelido carinhoso que se dava ao sedã Volkswagen, que já foi o carro mais vendido do Brasil.

O fato é que o fusca era um carro extremamente resistente, fácil de usar e de manutenção baratíssima: grande por fora e pequeno por dentro, porque nada é perfeito.

Tendo subido na vida e na carreira, o citado chefe resolveu trocar de carro. Ia vender o fusca para comprar um Chevette – outro dinossauro que também já saiu de linha, mas foi um sonho de consumo e tanto.

Pois não é que o fusca, antes intrépido e impávido colosso em todas as trilhas e tramas por onde nos enfiávamos na noite e nos litorais paulistanos resolveu ‘embaçar’?

Na mesma semana furou pneus 2 vezes, ‘arriou’ a bateria e, ainda por cima, entupiu o carburador em plena Avenida Paulista (Nota do Autor: ‘carburador’ é o que fazia os carros andarem antes da ‘injeção eletrônica’).

A conclusão do Cláudio, meu chefe, foi definitiva: “O fusca está magoado porque sabe que vou vendê-lo.”.

“Ora”, dissemos, “isso acontece apenas porque, ao resolver vender o carro, você relaxou com a manutenção. De qualquer forma, ele já está mesmo bem ‘rodado’ e na hora de começar a dar problemas.”.

“De jeito nenhum”, respondeu categórico o chefe: “Sei que há uma explicação racional e sem graça para o que está acontecendo, mas a minha explicação mágica para o carro quebrado é muito melhor!”

E assim foi. Nunca mais discutimos sobre a possibilidade ou impossibilidade de um monte de lata, vidro e borracha ser capaz ou não de expressar sentimentos, ou mais: de prever o futuro...

Lembro esse caso para de novo apontar a importância da consideração de fatos & dados no exercício da liderança. Não a frieza burocrática de quem só vê números, mas a riqueza dos fatos & dados que estão o tempo todo apontando verdades na cara de gestores cegos por preferir seguir seus ‘feelings’ e crenças.

É gracioso, mas irreal achar que um carro quebrou porque ‘está sentido’ ao invés de ser porque está muito usado.

Assim como também pode ser pouco produtivo para uma decisão preferir a astrologia, numerologia, quiromancia, cristais, florais e outros anais à simples informação disponível, bastando que ouça seus subordinados...

Há explicações absolutamente prosaicas para coisas que se supõem só alcançáveis por saberes esotéricos, extraterrestres ou, no mínimo, à custa de se tomar drogas igualmente obscuras ou clandestinas.

Explicações simples derivam do bom e velho método da ciência, ou mesmo da mera observação empírica reforçada por anos de experiência. Deveria dizer do novo método da ciência, já que ele, na versão atual, tem só uns poucos séculos de existência.

É claro que isso é muito mais sem graça que seguir qualquer guru da moda.

Especialmente no campo corporativo, onde essa praga parece ser tão prolífica como o aedes aegypti: o tal mosquito da dengue que, aliás, vai muito bem obrigado por ainda haver autoridades que acreditam mais em quem “está do lado certo” que em medidas simples de profilaxia. (Nelson Chapira é profissional de Recursos Humanos e diretor da AAPSA)